Quando Ayva Peña ganhou um telefone aos 10 anos, seu interesse por cuidados com a pele disparou. A princípio, ela se conectou com a mãe, Giselle Peña, por meio disso. Juntas, elas faziam dias de spa com máscaras faciais e saíam ocasionalmente para experimentar novos produtos. Mas quando a mãe de Rhode Island encontrou um creme facial antienvelhecimento de US$ 300 (cerca de R$ 1.666) na gaveta de remédios de Ayva, ela hesitou.
“Fiquei muito chateada. Ela tem 15 anos”, conta Peña. “Diz que deixa a pele sem idade, melhora linhas finas, rugas e firmeza. Eu pensei, ‘Isso não é para você, garota’.”
Peña está entre um número crescente de pais preocupados com a forma como o conteúdo nas plataformas de mídia social está influenciando crianças e adolescentes a experimentarem produtos de cuidados com a pele elaborados e, muitas vezes, inadequados para a idade. Agora, um estudo publicado na segunda-feira (9) na revista Pediatrics pode confirmar as preocupações desses pais.
Após analisar rotinas de beleza de 100 vídeos do TikTok de criadores de conteúdo com idades entre 7 e 18 anos, os pesquisadores encontraram uma média de 11 ingredientes ativos potencialmente irritantes em seus regimes, muitos dos quais carregam o risco de desenvolver alergias na pele e aumento da sensibilidade ao sol. No entanto, apenas um quarto das longas listas de produtos continha protetores solares.
“A maioria das (crianças) apresentadas nesses vídeos não tinha acne visível. Elas tinham pele perfeita e limpa”, afirma Molly Hales, primeira autora do estudo e dermatologista certificada pelo conselho do departamento de dermatologia da Feinberg School of Medicine da Northwestern University. “Para muitas delas, os danos provavelmente superam quaisquer benefícios potenciais.”
Entre as dezenas de soros, hidratantes, tônicos e produtos de limpeza diários apresentados nos vídeos, a rotina média tinha seis etapas, custando cerca de US$ 168 (cerca de R$ 932,99) – com alguns mais de US$ 500 (cerca de R$ 2.776,75) – por um mês de produto, de acordo com o estudo.
“Quando as crianças acordam às 5h30 da manhã em um dia de aula para ter tempo suficiente para aplicar essas rotinas complicadas, acho que isso se torna menos sobre saúde e mais sobre a busca de uma ideia de beleza irrealista e problemática”, afirma Hales, que também é pesquisadora de pós-doutorado em Feinberg. As descobertas levantam sérias questões éticas sobre como o conteúdo das mídias sociais influencia os jovens em suas vidas diárias.
Um porta-voz do TikTok, observando que esse tipo de conteúdo é “comum em todas as mídias”, conta que a plataforma é apenas para usuários com 13 anos ou mais, e quaisquer criadores suspeitos de serem menores de 13 anos são removidos. Além disso, eles afirmam que o TikTok trabalha com médicos e especialistas de terceiros em desenvolvimento adolescente para implementar políticas de proteção.
A maioria das rotinas de cuidados com a pele estudadas carecia de alguma forma de protetor solar, mas continha produtos que poderiam aumentar a sensibilidade ao sol e o risco de câncer de pele, descobriram os autores.
Ingredientes ativos comuns encontrados em produtos de pele recomendados eram alfa-hidroxiácidos ou AHAs, esfoliantes químicos suaves que ajudam a remover as camadas superiores das células da pele, segundo Hales. Embora tenham o efeito pretendido de uniformizar o tom da pele e criar uma aparência mais jovem, eles são conhecidos por tornar a pele mais vulnerável aos raios ultravioleta do sol.
“Eu recomendaria o uso diário de protetor solar para todas as idades e regimes, mas especialmente para aqueles que usam esses (AHAs)”, orienta Hales. “É uma etapa necessária para prevenir danos permanentes à pele.”
Esses AHAs, assim como ingredientes à base de vitaminas como a niacinamida, também são considerados potenciais irritantes, causando efeitos colaterais como vermelhidão e ressecamento, especialmente com o uso excessivo.
“Em muitos casos, as meninas podem não ter percebido que estavam aplicando o mesmo ingrediente ativo repetidamente, o que apenas aumenta o risco de irritação”, afirma Tara Lagu, autora sênior do estudo e professora adjunta de medicina e ciências sociais médicas em Feinberg.
Mais da metade dos produtos continha fragrância – uma causa comum de dermatite de contato alérgica – e 20 outros ingredientes inativos que são alérgenos conhecidos, de acordo com o estudo.
“A desinformação é um grande problema nas mídias sociais, mas especialmente para esses criadores de conteúdo com menos de 18 anos”, diz Sonal Shah, dermatologista certificada pelo conselho em Cleveland e diretora de dermatologia pediátrica do University Hospitals Rainbow Babies & Children’s Hospital. Shah não esteve envolvida no estudo.
“São fontes que talvez não tenham formação científica e não estejam bem informadas sobre a ciência por trás de muitos desses produtos, como eles funcionam ou quais riscos eles carregam”, afirma Shah, acrescentando que há dermatologistas certificados pelo conselho no TikTok que poderiam oferecer conselhos maisL credíveis.
Outras tendências preocupantes que Shah observou em sua prática, mas não foram mencionadas no estudo, incluem esfoliantes mecânicos, como esponjas esfoliantes ou produtos de limpeza que contêm microesferas de plástico, que geralmente são muito ásperas para a pele facial.
O estudo também observou que muitos dos criadores estavam oferecendo dicas relevantes para pessoas com tez mais clara, o que pode excluir as considerações únicas de cuidados com a pele de tez mais escura, enquanto perpetua ideais prejudiciais de pele “mais brilhante” associada à brancura.
Ambas, Shah e Hales, recomendam que crianças menores de 18 anos que não estejam lidando com acne usem um limpador suave sem ingredientes ativos, combinado com um hidratante sem fragrância e um protetor solar mineral diário.
Em geral, as crianças não se beneficiarão de produtos antienvelhecimento que prometem aumentar a elasticidade da pele ou eliminar linhas finas, segundo Shah. Nessas idades jovens, a produção de colágeno está no seu ponto mais alto.
À medida que as crianças atingem a puberdade, no entanto, elas podem produzir mais hormônios que causam acne. Nesses casos, Shah recomenda adicionar um produto de venda livre com ácido salicílico ou uma baixa porcentagem de peróxido de benzoíla.
“Os cuidados com a pele delas não precisam ser complicados e não precisam ser muito caros”, diz Shah. Os pais “podem conversar com um dermatologista certificado ou dermatologista pediátrico se houver preocupações significativas com a pele ou que não respondam ao tratamento de venda livre.”
Por fim, se os pais estão preocupados com o regime de cuidados com a pele de seus filhos, eles devem conversar sobre isso, orienta Jennifer Harriger, professora de psicologia da Pepperdine University que estuda o desenvolvimento infantil, em um comunicado.
“Acho que é sempre melhor ter conversas abertas com as crianças sobre as mensagens que veem nas mídias sociais, bem como suas próprias intenções por trás da compra de produtos específicos para a pele”, afirma Harriger, que não esteve envolvida no estudo.
Também é importante manter a mente aberta, compreendendo a dimensão social do conteúdo de beleza e bem-estar juvenil, segundo Hales.
“Esses vídeos mostram um tipo de autoexpressão lúdica que é muito atraente para essa faixa etária”, diz Hales. “São meninas que estão apenas começando a desenvolver seu próprio senso de identidade independente, como elas se apresentam no mundo, sua identidade de gênero e, em muitos casos, o que significa ser uma menina em nossa sociedade.”
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