Eu acho esse argumento errado – e respondei isso no post de Nilson. Já que o mercado, se não a maioria dos economistas, já está precificando uma alta de juros para a próxima reunião do Copom, queria endereçar porque acredito que aumentar a taxa Selic não será a decisão correta nesta conjuntura.

O Banco Central pode decidir aumentar ou não a taxa de juros por várias razões, mas quero aqui endereçar a razão posta por Nilson: a desancoragem das expectativas.

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Quando há um choque inflacionário, a estrutura a termo das expectativas de inflação – seus valores em prazos futuros – deve espelhar a estrutura a termo da taxa de juros: alta/subindo, e depois caindo.

Isso porque o Banco Central sobe a Selic posteriormente a inflação cai, e aí deve-se esperar uma queda de juros na medida que a inflação cai para a meta.

Mas e quando isso não é verdade? E quando as expectativas estão acima da meta no curto prazo, mas caem pouco em prazos mais longos, sem convergir para a meta?

Uma possível explicação é aquela fornecida por Nilson: o mercado duvida da vontade ou capacidade do Banco Central em cumprir seu mandato. Assim, o Banco Central deve continuar a subir a Selic até vencer o ceticismo do mercado.

Mas essa não é a única explicação possível se você levar em consideração como a questão fiscal impacta as expectativas de inflação.

A despeito das afirmações do ministro da Fazenda, acho que o mercado tem uma opinião consensual, a qual eu compartilho, que a trajetória fiscal brasileira, sem nenhuma perspectiva de um superávit primário robusto e com um dos maiores déficits nominais do mundo, é insustentável.

O que isso quer dizer na prática? Insustentabilidade implica que a situação no futuro vai mudar: as condições atuais não se sustentam.

Como que situações de insustentabilidade fiscal se resolvem? Simplificando um pouco, há somente três maneiras.

A primeira é via um ajuste do regime fiscal: corte de gastos e aumento de despesas suficientes e duradouras para o mercado pode projetar com razoável confiança uma sequência de superavit fiscais que estabilizam a trajetória da dívida.

Por exemplo, quando o teto dos gastos foi aprovado no governo Temer, o mercado, erroneamente, acreditou que aquele ajuste estabilizasse a trajetória da dívida.

Parte do mercado também acreditou que o arcabouço fiscal petista poderia levar a uma trajetória de estabilidade se houvesse reformas para limitar o crescimento dos gatos obrigatórios ao teto real de crescimento de gastos estabelecido pelo arcabouço.

Isso acabou não acontecendo, como descobrimos no inadequado pacote fiscal do ano ado. O governo Lula recusou dar sustentação a seu próprio arcabouço.

A segunda maneira é via repressão financeira. Neste caso, o governo força os investidores a financiarem a dívida estatal a taxas baixas. Exemplos disso são o regime monetário chines e o regime monetário argentino sobre o peronismo.

Esse apelo a repressão financeira, que pode ser visto como uma forma disfarçada de tributação do poupador, tem que forçosamente operar dentro de um regime de controle de capitais: afinal, se o governo se recusa a pagar um prêmio de juros que reflete o risco fiscal, eu posso simplesmente direcionar meus investimentos para fora do país.

Foi por causa disso que eu alertei, logo quando saiu a proposta de alta do IOF, que ela representava na taxação de recursos investidos no exterior, o início de um processo de controle de capitais e repressão financeira.

A terceira maneira de resolver a questão fiscal é uma alta não precificada da inflação. Essa solução opera acelerando o crescimento nominal do PIB – que é igual ao crescimento real do PIB mais a inflação – acima do crescimento do estoque da dívida. Assim a razão dívida/PIB cai.

Não temos que pensar no Brasil antes do Plano Real para ver esse mecanismo funcionando, ele ocorreu durante a pandemia.

Quando a inflação começou a subir no final de 2020, e o Banco Central reagiu com atraso e houve forte perdas no estoque de investimentos em renda fixa (mais um exemplo de tributação disfarçada). Apesar dos fortes gastos primários, a razão dívida/PIB caiu.

Vamos pensar agora de como essas três soluções se aplicam a situação atual, e especificamente o impacto sobre as expectativas de inflação.

Haverá um ajuste fiscal? No curto prazo, com o ano eleitoral logo aí e um governo impopular, as chances são perto de zero.

Parte do governo fica intimando que vai fazer um ajuste fiscal depois da eleição (vide os comentários da ministra do Planejamento) no que parece ser uma confissão de estelionato eleitoral futuro: alguém acha que o PT vai itir fazer um ajuste fiscal durante a campanha?

Isso dito, não devemos tratar a possibilidade de um ajuste fiscal depois da eleição como baixíssima, dado o que parece ser o resultado mais provável da eleição neste momento.

Haverá repressão financeira? A reação da sociedade e do Congresso a tentativa feita com o pacote do IOF parece descartar essa possibilidade.

E a inflação? Certamente isso é uma possibilidade. Se houver uma mudança para baixo da expectativa de um ajuste fiscal, a própria reação dos investidores e agentes econômicos deve gerar uma alta da inflação – tanto por ajuste preventivo de preços e mais especificamente da taxa de câmbio.

Como no episódio da pandemia, o Banco Central provavelmente deve responder, mas com o atraso habitual a essa “surpresa”, como ocorreu em 2020 e 2021.

Se a possibilidade deste cenário for precificada pelo mercado, devemos observar uma estrutura a termo das expectativas de inflação igual ao que observamos atualmente.

A possibilidade de um choque inflacionário futuro como solução (temporária) a questão fiscal torna a distribuição da inflação futura assimétrica “para a direita” – com maior probabilidade de forte altas da inflação do que forte quedas – o que acaba puxando a média esperada para a direita também.

Notem que nada disso tem a ver com a credibilidade do Banco Central. Um choque inflacionário futuro devido à incapacidade de fazer um ajuste fiscal não é algo que o Banco Central pode endereçar hoje via política monetária.

De fato, uma sequência de altas da Selic, como advogado pelo Nilton, poderia finalmente jogar a economia em uma recessão, o que pioraria ainda mais a questão fiscal e a inflação futura!

Finalmente, o que descrevo se configura como uma condição de “dominância fiscal”? Esse termo tem várias definições, mas não, a dominância fiscal não deve ser tratada como algo binário, e sim um contínuo.

Não se trata de dizer que hoje a política monetária perdeu totalmente sua eficácia, mas o fato da instabilidade temporal da situação fiscal constrange sim sua potência, e força o Banco Central a enfrentar “trade-offs” muito mais complexos.

A vida dos membros do Copom não será nada fácil até pelo menos o final de 2026.

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