Pedro Côrtes
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Pedro Côrtes

Professor titular da Universidade de São Paulo (USP) e um dos mais renomados especialistas em Clima e Meio Ambiente do país.

Brasil fora de acordo global contra a poluição plástica nos oceanos?

Documento apresentado na Conferência da ONU cobra ações concretas, mas não tem o apoio do Brasil

Sede da ONU em Nova York  • 15/8/2014 REUTERS/Carlo Allegri
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Esta semana, foi realizada em Nice (França) a Conferência da ONU sobre os Oceanos (UNOC). Na abertura do evento, o presidente Lula destacou que, na última década, a produção global de plásticos superou a de todo o século anterior, e que esses resíduos já correspondem a 80% da poluição nos oceanos.

Ele também mencionou que o tema é considerado no planejamento espacial marinho do Brasil e adiantou que o governo deve implementar programas voltados à proteção de manguezais e recifes de corais, além de estar elaborando uma estratégia nacional para enfrentar a poluição plástica no ambiente marinho.

Causou estranheza, portanto, o fato de o Brasil não ter assinado o documento final que pede – em última análise – a redução da poluição plástica nos oceanos. Além da manifestação do presidente Lula na abertura do evento, estamos a poucos meses da COP30 e essa ausência do Brasil entre os signatários da carta pode não gerar boas repercussões.

Embora não haja, até o momento, um posicionamento oficial sobre as razões que levaram o país a não subscrever a carta, algumas possibilidades podem ser prospectadas. Um primeiro motivo seria a demanda por uma agenda de compromissos rigorosos e legalmente vinculantes (obrigatórios).

A declaração propõe metas globais de cumprimento vinculante para reduzir a produção de plásticos virgens, restringir produtos e substâncias de risco e estabelecer padrões técnicos mais exigentes para design e circularidade. O governo talvez considere essas exigências de difícil compatibilização com suas prioridades industriais e comerciais, especialmente em setores que mantêm forte dependência do uso tradicional de plásticos.

Outra possibilidade é a obrigação de reportar dados sobre a cadeia de plásticos, com os países tendo que informar regularmente sua produção, importação e exportação de polímeros plásticos. Isso demanda um nível elevado de rastreabilidade e transparência, o que pode representar um desafio para o Brasil, considerando as limitações da estrutura regulatória e dos mecanismos de fiscalização atualmente disponíveis.

Apesar de o texto reconhecer a necessidade de considerar realidades específicas de cada país, o conjunto da declaração tem caráter fortemente mandatório. Esse perfil mais rígido pode ter causado resistência de países em desenvolvimento, como o Brasil, cujas cadeias produtivas ainda dependem significativamente do uso de plásticos e podem enfrentar dificuldades para se adequar rapidamente a exigências mais restritivas.

Por último, ao decidir por não subscrever a carta de intenções, o Brasil pode ter optado por manter uma posição de neutralidade ou reserva estratégica até as próximas rodadas formais de negociação no fórum dedicado ao enfrentamento da poluição plástica nos oceanos (o INC-5.2. Intergovernmental Negotiating Committee).

Com isso, evitaria comprometer-se publicamente com uma declaração de intenções antes de amadurecer sua posição no texto final do tratado, enquanto elabora sua estratégia para enfrentar a poluição plástica no ambiente marinho.